Armando Tirelli - El Profeta (1978)

Armando Tirelli é o terceiro da esquerda para a direita na foto da banda da capa traseira.

Sobre a Capa

A figura central representada na capa dianteira é o profeta. As metades simétricas em branco e preto representam o equilíbrio perfeito. Os braços abertos representam o acolhimento. O arco-íris representa a ligação dos céus com a Terra. O fato de o arco-íris atravessar o profeta na altura da boca significa que o profeta traz a mensagem dos céus através da fala. O círculo é a perfeição e a totalidade de Deus e do Universo. Apenas pela interpretação da capa dianteira, podemos esperar um álbum sobre um profeta que é o portador da mensagem divina às pessoas comuns e as acolhe nas suas angústias, anseios e dúvidas sobre as questões da vida.

Na capa traseira, há uma foto da banda e abaixo uma citação do poeta Khalil Gibran, a qual se traduz como: "Ah minha alma! Se o ignorante disser que o espírito é efêmero como o corpo e que tudo o que é transitório é extinguível e mortal, diga a ele que as flores murcham e morrem, mas suas sementes caem e nelas está o segredo da imortalidade". Esse é o trecho final do poema¹ "O Soul", publicado pela primeira vez em 1916. No contexto do poema, Gibran assevera que, apesar de o corpo fisicamente falecer, nossa alma transcende rumo à imortalidade através das ideias partilhadas às futuras gerações.

¹ A íntegra do poema pode ser encontrada em GIBRAN, Khalil. The Treasured Writings of Kahlil Gibran. Auckland: Castle Books, 2009. p. 773. Disponível aqui.

Álbum Conceitual

O álbum é uma homenagem ao poeta libanês Gibran Khalil Gibran (1883-1931) e suas reflexões sobre a vida, as quais conquistaram um universo de leitores para além do Oriente.

Sobre as Letras

Há duas perspectivas nas letras e elas estão ambas intercaladas. A primeira é a narrativa em tom bibliográfico sobre a vida de Khalil Gibran. Nesse caso, a letra é sempre recitada por Armando Tirelli, mesclando momentos em que ele narra eventos da vida de Khalil Gibran ou literalmente incorpora o poeta em alguma situação em particular. A segunda perspectiva é a abordagem das ideias contidas no livro "O Profeta" (1923). Aqui, a letra é sempre cantada pela banda, variando entre a voz do profeta e a do povo comum.

Sobre a Vida de Khalil Gibran

Gibran vem de uma família católica maronita originária da cidade histórica de Bsharri ao norte do Líbano, uma região semiautônoma do então Império Otomano. Sua mãe era filha de um notório sacerdote local e tal como o pai tornou-se muito religiosa e devota. Casou-se aos 30 anos com o pai de Gibran após seu antigo marido falecer no Brasil deixando um filho (Pedro). O pai de Gibran, embora fosse atraente fisicamente, não era amoroso e era temido pela própria família. Ele trabalhava como farmacêutico, mas seu vício com álcool e com os jogos de azar o endividaram a ponto de ele se ver obrigado a arrumar outro emprego. Ele assumiu um cargo administrativo para os otomanos, mas após algumas reclamações foi alvo de investigação e acabou preso por peculato. A propriedade da família foi confiscada, forçando Gibran, seus irmãos e sua mãe a morar na casa de parentes. Devido às dificuldades financeiras da família, Gibran acabou não tendo escolaridade na infância. Recebeu apenas ensinamentos dos sacerdotes sobre a bíblia e sobre a língua árabe.

A mãe de Gibran tinha uma personalidade forte e era obstinada. Ao saber que o irmão havia tentado um novo começo nos Estados Unidos, decidiu fazer o mesmo. Seu marido após ser solto recusou-se a acompanhá-la nessa jornada. Ela então viajou sozinha com Gibran e seus irmãos Pedro, Mariana e Sultana. Em 1895, eles chegaram em Boston e logo foram acolhidos pela comunidade sírio-libanesa que ajudava os imigrantes pobres a matricularem seus filhos nas escolas públicas locais. Graças a essa ajuda, Gibran conseguiu uma matrícula e iniciou os seus estudos. Sua mãe costurava e trabalhava como vendedora ambulante de tecidos. Seu irmão Pedro conseguiu depois de um tempo abrir uma loja de artigos empregando suas duas irmãs.

Aos poucos Gibran foi se destacando na escola como uma promessa artística. Seus professores o apresentaram a Fred Holland Day, um fotógrafo e editor de revista, que reconheceria o talento do menino e o encorajaria a correr atrás do seu espaço entre os melhores superando quaisquer formas de discriminação xenófoba que viessem a desmotivá-lo. Veja uma foto de Gibran tirada por Holland em 1898. Gibran aprimorou suas técnicas e criou seu próprio estilo. Holland publicou em sua revista alguns dos desenhos de Gibran alavancando a carreira do jovem artista. No entanto, sua mãe e Pedro estavam receosos com esse sucesso repentino e com a atração de Gibran pela estética cultural do Ocidente. Eles decidiram que Gibran deveria voltar ao Líbano para terminar seus estudos e aprender o árabe.

Gibran estudou numa escola maronita de preparação para o ensino superior em Beirute. Sua natureza rebelde e individualista chamava a atenção dos alunos e professores. Ele violava os deveres religiosos, ignorava as aulas e desenhava nos livros. Apesar de tudo, ele era respeitado pelo seu grande talento e pela autoconfiança em suas ações. Formou-se em 1902 com fluência em francês e árabe. Nesse ano soube que sua família enfrentava a tuberculose nos Estados Unidos. Antes que pudesse visitá-los em Boston, sua irmã Sultana falecera aos 14 anos. No ano seguinte, Gibran perderia seu meio-irmão Pedro e sua mãe. Só restariam ele e sua irmã Mariana.

Gibran passou a escrever poemas e meditações para o jornal árabe "Al-Muhajer" (O emigrante) por onde já demonstrava um estilo artístico muito peculiar. Conseguiu uma exposição para os seus primeiros quadros que contou com a participação de uma diretora de escola americana chamada Mary Haskell. Ela viu o potencial de Gibran e lhe ofereceu custear seus estudos artísticos em Paris. Aceita a proposta, Gibran absorveu todo o conhecimento que estava a seu dispor na Académie Julien. Ao fim dos estudos, retornou a Boston e depois mudou-se para Nova Iorque. Por vários anos contou com a ajuda de Mary para administrar sua situação financeira. No entanto, ao conhecer uma poetiza libanesa chamada May Ziade, passou a trocar com ela correspondências estreitas a partir de 1912. Aos poucos Mary foi cedendo lugar para May na edição dos livros de Gibran.

Após publicar, durante um tempo, livros em árabe com a ajuda de escritores sírio-libaneses em Nova Iorque, Gibran passou a escrever livros em inglês. Um deles foi O Profeta (1923). Em 1926, Gibran já era uma figura de renome internacional. No entanto, com o sucesso veio o estresse. Gibran buscou no álcool o alívio pros seus problemas. E tão cedo desenvolveu quadros de cirrose. Ele acabou morrendo aos 48 anos vítima de câncer no fígado.

Sobre o Livro "O Profeta"

O livro narra a história do profeta Almustafa, que após viver por 12 anos na cidade de Orphalese finalmente avista do alto da colina o navio que o levaria de volta à sua terra natal. Ele é tomado por um misto de ânsia por retornar às suas origens e de tristeza por deixar uma cidade em que tantas pessoas aprenderam a venerá-lo. Almitra, uma vidente local, sabendo que a partida era inevitável, pediu ao menos que o profeta transmitisse sua verdade de modo que seu conhecimento pudesse ser repassado às futuras gerações. O profeta então perguntou aos habitantes locais quais temas afligiam suas almas a ponto de buscarem uma orientação. Almitra pediu que o profeta começasse falando sobre o amor. Na sequência, o profeta foi requisitado a refletir sobre diversos temas, tais como: o matrimônio, os filhos, a dádiva, a comida e a bebida, o trabalho, a alegria e a tristeza, as roupas, as compras e as vendas, o crime e o castigo, as leis, a liberdade, a razão e a paixão, a dor, o conhecimento de si próprio, o ensino, a amizade, a conversa, o tempo, o bem e o mal, a oração, o prazer, a beleza, a religião e a morte. Ao final do dia, os marinheiros já estavam preparados para levantar a âncora e dar partida no navio. Almustafa fez um último pronunciamento e embarcou em meio ao som dos clamores dos nativos de Orphalese.

Esse álbum resgata alguns desses temas, mas é interessante o leitor observar que em certos momentos as reflexões do livro são postas para se pensar a própria história de vida de Khalil Gibran!

Prólogo el Profeta

Armando Tirelli
Era el seis de enero de mil ochocientos ochenta y tres
Fue el primer día que yo respiré el aire de esta tierra 
en Beshart, allí nací... 
Beshart... 

En las sierras del norte del Líbano
El aroma de sus cedros me guía la mano
cuando escríbo sobre él
Beshart...

Bellos y tristes recuerdos
El pan faltando en la mesa
El rostro cansado de mi madre, su dulce mano
La religión, el creer perseguido, la emigración

Mi hermano Pedro,
mis dos hermanas Mariana y Sultana
Mi madre y yo vivendo alejarse nuestra tierra
alegría y sufrimientos

Y aliá, en los Estados Unidos,
la tuberculosis llevándose a mi família
Mi hermana y yo sólos en Boston
Mi hermana cosiendo bajo la débil luz de gas
para poder regalarme un sombrero nuevo

Mariana, tu aguja me perfora los ojos
y tu hilo me aprieta el cuello

Luego volver a Beirut a estudiar,
a gozar y a asombrarme de aquellos lugares
que hablan de grandeza y majestuosidad,
que el tiempo no ha podido arrasar,
y sinembargo el hombre hoy...

Yo os odio hermanos,
porque vosotros odiás la gloria y la grandeza,
y yo os detesto,
porque vosotros os detestáis a vosotros mismos!

Así os he calummiado con mis labios
mientras mi corazón
sangrando os llamaba
con los más suaves y lindos nombres

Alma mía,
si no es por mi ambición de vivir la inmortalidad
no hubiera compuesto himno alguno
para que canten los siglos futuros

Nunca se supo bien quién era él, de dónde vino,
con su bondad, su sencillez
Todos sentían que al oír su voz, la paz brotaba,
tal vez su hablar, su lucidez

Dinos pues que sabes tú del hombre
qué debe hacer por ser feliz,
No es el ser feliz
lo que el hombre ha de buscar sino hacer más feliz
a todo aquel que viva en paz
Foi em seis de janeiro de mil oitocentos e oitenta e três
Era o primeiro dia que eu respirava o ar desta terra 
em Beshart, ali nasci... 
Beshart...

Nas serras do norte do Líbano
O aroma dos seus cedros me guia a mão
quando escrevo sobre ele
Beshart...

Belas e tristes recordações
O pão faltando na mesa
O rosto cansado da minha mãe, sua mão doce
A religião, a crença perseguida, a emigração

Meu irmão Pedro,
minhas duas irmãs Mariana e Sultana
Minha mãe e eu vivendo afastados de nossa terra
alegria e sofrimentos

E lá, nos Estados Unidos,
a tuberculose levando a minha família
Minha irmã e eu sozinhos em Boston
Minha irmã costurando debaixo da fraca luz de gás
para poder me presentear com um chapéu novo

Mariana, tua agulha me perfura os olhos
e tua linha me aperta o pescoço

Logo retorno a Beirute para estudar,
para gozar e me assombrar daqueles lugares
que falam da grandeza e majestosidade,
que o tempo não pôde arrasar,
e no entanto o homem hoje...

Eu os odeio irmãos,
porque vocês odeiam a glória e a grandeza,
e eu os destesto,
porque vocês detestam a si mesmos!

Assim eu os caluniei com meus lábios
enquanto meu coração
sangrando os chamava
com os mais suaves e lindos nomes

Ah minha alma,
se não é por minha ambição de viver a imortalidade
não haveria composto hino algum
para que cantem as gerações futuras

Nunca se soube bem quem era ele, de onde veio,
com sua bondade, sua simplicidade
Todos sentiam que, ao ouvir sua voz, a paz brotava
talvez sua fala, sua lucidez

Diga-nos pois o que tu sabes sobre o homem,
o que se deve fazer para ser feliz
Não é ser feliz
o que o homem há de buscar senão fazer mais feliz
todo aquele que vive em paz

Nessa canção, Khalil Gibran descreve sua trajetória de vida. Na medida em que escreve, ele sente o aroma dos cedros libaneses. Ele relembra alguns momentos que mais lhe marcaram. O pão que faltava na mesa. O rosto cansado de sua mãe. A presença da religião. A perseguição à sua família pela condenação do pai. A primeira emigração aos Estados Unidos. Uma convivência de alegria e sofrimentos com sua mãe. A tuberculose que a levara junto de Sultana e Pedro. E agora sozinho com Mariana que tinha de trabalhar com costura para sustentá-lo. Gibran sentia como se a agulha dela lhe perfurasse os olhos e a linha apertasse seu pescoço. Não via a hora de retornar a Beirute para estudar a grandeza e a majestosidade de um lugar que sobreviveu ao tempo. No entanto, sua personalidade rebelde o fez detestar os colegas de classe libaneses por eles não perceberem a grandiosidade de sua própria cultura. Insatisfeito com a mentalidade alheia, lamentou o fato dessa geração não atentar para as suas preocupações existenciais.

Depois dessa breve autobiografia, a banda interpreta a recepção dos moradores de Orphalese com a chegada do profeta Almustafa. Ninguém sabia a princípio quem era ele e de onde ele vinha, mas o profeta transmitiu paz aos moradores locais com a lucidez de suas palavras. Um dos moradores questiona ao profeta sobre como seria possível aos homens encontrar a felicidade. O profeta lhes responde que devemos, em vez de buscar a felicidade, fazer mais feliz aqueles que vivam em paz.

Muito provavelmente foi intencional a comparação da chegada de Gibran na escola de Beirute com a chegada do profeta na cidade de Orphalese. Gibran, assim como o profeta, trazia consigo a experiência de vida de diversas culturas, mas ainda pecava em não conseguir apaziguar seu coração no convívio com seus semelhantes.

Candombe Samba

Armando Tirelli

Essa faixa entra como um interlúdio instrumental. Sabendo-se que Armando Tirelli é um músico uruguaio, a referência do título fica mais evidente. Candombe é um estilo musical tipicamente uruguaio, cujo elemento principal está no ritmo das batidas de diferentes tambores. Esse estilo tem origem lá em meados do século XVIII com a disseminação da cultura africana a partir dos escravos traficados na região do Rio da Prata. Ao longo dos anos, o candombe foi se fundindo a outros estilos como samba, rap, rock, dentre outros. Nessa canção, podemos notar a marca do candombe sobretudo a partir da performance do baterista.

Barco de los Sueños

Armando Tirelli
Es que soy en realidad Profeta,
es mi palabra la de Dios
Es que lograrán llegar sin mí hacia tí?

Será que está en mis manos
la misión, oh Señor
Has confiado en mí

Eres el Profeta,
tú tienes la paz
Dinos el camino
hacia la verdad
É que sou na realidade o Profeta,
É a minha palavra a de Deus
Eles conseguirão chegar sem mim até ti?

Será que está em minhas mãos 
a missão, ó Senhor
Confiaste em mim

És o Profeta,
tu tens a paz
Diga-nos o caminho
até a verdade

Nessa canção, com todos os nativos naturalmente elegendo Almustafa como o profeta capaz de dizer os caminhos da verdade, ele mesmo questiona-se perante Deus se de fato está em suas mãos a missão de orientar a vida de todas aquelas pessoas.

Tema Central El Profeta

Armando Tirelli

Nesse instrumental estão implícitos os doze anos de vivência do profeta em Orphalese.

El Momento de Partir

Armando Tirelli
Es el momento de partir,
mas no estén tristes porque al fin
la distancia nos dará la luz, la amistad

Este es un mundo de dolor,
no es para todos lo mejor
Unos llegan y otros partirán, 
dónde irán, Dios dirá
É o momento de partir,
mas não fiquem tristes poque ao fim
a distância nos dará a luz, a amizade

Este é um mundo de dor,
não é para todos o melhor
Uns chegam e outros partirão,
para onde irão, Deus dirá

Nessa canção, o profeta sente que é chegada a hora de deixar a cidade e viajar para a sua terra natal. Ele diz aos nativos para não se entristecerem com sua partida porque a distância nos concede a luz (sabedoria) e conserva a amizade em nossos corações. Mesmo num mundo cheio de dor e desigualdades, as pessoas vem e vão e apenas Deus é capaz de dizer o porquê.

Amanecer en Orphalese

Armando Tirelli

Essa faixa interpreta instrumentalmente a chegada do navio e a descida do profeta da colina em direção ao cais para o embarque. Nesse meio tempo, ele seria parado pelos nativos para que compartilhasse seus ensinamentos em diversos temas por uma última vez.

Háblanos del Matrimonio

Armando Tirelli
Beso tus manos con mis párpados
oh tú que eres la madre de mi corazón
todos y cada uno de nosotros querida Mary
tenemos un lugar de descanso espiritual

un libro, un pesamiento, un recuerdo medio olvidado
el sitio de reposo de mi alma es aquel jardín 
lindo, extraño
que representa haberte conocido

Por supuesto que te quiero
Por supuesto que yo te deseo
yo te deseo más de lo que tú me añelas
Cuando entras en mi aposento yo te siento en cada rincón,

te quiero como nadie quiso a una mujer,
pero las cosas corporales viven un día, después desaparecen
y yo no quiero hacer desaparecer
ninguna de las cosas grandes que tenemos en común

Deberán estar unidos porque juntos han nacido
Se amarán sin tratar de ser tan unidos
que la soledad nunca logre estar presente
en la unión del hombre y la mujer

Debe haver un espacio entre vosotros,
pedid de a poco
nunca crecerán ni el roble ni el ciprés
sobre su sombras
Beijo suas mãos com minhas pálpebras
ó tú que és a mãe do meu coração
Todos e cada um de nós querida Mary
temos um lugar de descanso espiritual

um livro, um pesamento, uma recordação meio esquecida
o lugar de repouso da minha alma é aquele jardim
lindo, estranho
que representa tê-la conhecido

Claro que te quero
Claro que eu te desejo
eu te desejo mais do que tu me almejas
Quando entras em meu aposento eu te sinto em cada canto,

Te quero como ninguém quis uma mulher,
mas as coisas corporais vivem um dia, depois desaparecem
e eu não quero deixar desaparecer
nenhuma das coisas grandes que temos em comum

Deverão estar unidos porque juntos haviam nascido
Se amarão sem tratar de ser tão unidos
que a solidão nunca consiga estar presente
na união do homem e da mulher

Deve haver um espaço entre vocês, 
pedido aos poucos
nunca crescerão nem carvalho nem cipreste
sobre suas sombras

Nessa canção, outro momento da história de Khalil Gibran vem à tona: seu relacionamento com Mary Haskell. O curioso relacionamento dos dois estava, segundo Gibran, acima dos desejos corporais. Era evidente que ele a amava mais do que ela poderia imaginar. Mas ao mesmo tempo ele tinha receio que esse amor desaparecesse assim como as coisas materiais duram em um dia e depois desaparecem. Ele não queria que um casamento fizesse desaparecer tudo aquilo que construíram juntos.

Na sequência, o profeta fala sobre a união do homem e da mulher como se Gibran estivesse aconselhando a si próprio por meio do seu personagem. O profeta salienta que o casal deve estar unido de modo que a solidão nunca esteja presente, mas o amor mútuo exige que haja um pouco de espaço entre eles para que os carvalhos e os ciprestes possam crescer recebendo a luz do sol.

Háblanos del Dar

Armando Tirelli
Uh, debemos dar
aún mucho más de aquello que creemos dar
Uh, hay quienes dan
poco de lo mucho que hay,
nada de lo poco que son

Uh, debemos ser
pobres de riqueza y mal,
ricos en amor y paz
Uh, has de merecer
el poder de dar
Uh, devemos dar
ainda muito mais daquilo que cremos dar
Uh, há quem dê
pouco do muito que tem,
nada do pouco que são

Uh, devemos ser
pobres de riqueza e mal,
ricos em amor e paz
Uh, há de merecer
o poder de dar

Nessa canção, o profeta fala sobre a dádiva em uma das passagens mais bonitas do álbum. Ele nos ensina que devemos dar muito mais do que cremos dar. Mas que seja uma dádiva diferente daqueles que dão pouco do que tem e nada do que são. Devemos ser pobres de riqueza e mal e ricos em amor e paz.

Háblanos del Amor

Armando Tirelli
Amor, si él está en tu corazón
déjalo ser igual el fruto en floración
para vivir lo agrio y el elixir
para sentir que él guía tu existir

Más tú, tú deberás buscar tal vez
cerca de tí, donde nadie espera hallar
porque el amor no está lejos de tí
siempre el amor ha de esperar por tí
Amor, se ele está em teu coração
deixa-o ser igual o fruto em floração
para viver a amargura e o elixir
para sentir que ele guia tua existência

Mas tu, tu deverás buscar talvez
ao redor de ti, onde ninguém espera achar
porque o amor não está longe de ti
sempre o amor há de esperar por ti

Essa canção é mais uma bela passagem em que o profeta nos ensina que o amor estará sempre por perto nos esperando em algum lugar onde ninguém espera achá-lo. Se sentimos que ele está em nosso coração, então devemos deixá-lo florescer e guiar a nossa existência.

Los Ecos de Almustafá

Armando Tirelli

Imagino que a intenção dessa faixa instrumental aqui foi a de nos mostrar que os ensinamentos do profeta continuaram ao longo da tarde com a variedade de temas que lhe eram pedidos.

Háblanos de los Hijos

Armando Tirelli
Qué dicen ellos,
ellos quieren vivir eternamente

Ellos dicen:
mi hijo será como yo

Ellos opinian:
los hijos deben ser independientes

Ellos le dicen a sus hijos:
yo te he dado todo, me vas a abandonar?

Ellos hacen,
eligen el camino de sus hijos

Ellos dicen:
mi hijo debe continuar lo que yo no he podido terminar

Ellos quieren vivir eternamente
Todos ustedes quieren vivir eternamente
Todos ustedes quieren vivir eternamente

Los hijos no son
hijos vuestros sino de la vida

por vosotros son
más no olvidéis que no os pertenecen

podéis ser como ellos
más ellos no serán como vosotros

pues sus almas son
habitantes ya del mañana

En una ciudad del nuevo mundo,
cuyo corazón es de hierro
entre ruido que aturde y estrépito que ensordece
donde se sacrifican las voces modestas
y se estrangulan los altos anhelos
a la sombra de los rascacielos

En la ciudad que acumula, pesa y mide todo
vivió un hombre que no supo contar
Y refutó las pesas y medidas
Y consiguió ser un genio en su pensamiento y en su estilo

Su palabra fue escuchada por pueblos
que no prestan oídos a lo que dice Oriente
Y repitieron su sabiduría
los sentados en los tronos de la sabiduría
después que él tuvo su sitio entre ellos

Gibrán, Khalil Gibrán
O que dizem eles,
eles querem viver eternamente

Eles dizem:
meu filho será como eu

Eles opinam:
os filhos devem ser independentes

Eles dizem a seus filhos:
eu te dei tudo, vai me abandonar?

Eles agem,
elegem o caminho de seus filhos

Eles dizem:
meu filho deve continuar o que eu não pude terminar

Eles querem viver eternamente
Todos vocês querem viver eternamente
Todos vocês querem viver eternamente

Os filhos não são
filhos seus senão da vida

Para vocês são
mas não se esqueçam que eles não os pertencem

Podem ser como eles,
mas eles não serão como vocês

Pois suas almas são
habitantes já do amanhã

Em uma cidade do novo mundo, 
cujo coração é de ferro
entre ruído que aturde e barulho que ensurdece
onde se sacrificam as vozes modestas
e se estrangulam os altos desejos 
à sombra dos arranha-céus

Na cidade que acumula, pesa e mede tudo
viveu um homem que não sabia contar
E refutou os pesos e medidas
E conseguiu ser um gênio em seu pensamento e em seu estilo

Sua palavra foi escutada por pessoas
que não prestam ouvidos ao que diz o Oriente
E repetiram sua sabedoria 
os sentados nos tronos da sabedoria
depois que ele teve seu lugar entre eles

Gibran, Khalil Gibran

Nessa canção, o profeta faz uma interessante ponderação sobre a visão que os pais tem sobre os filhos. Para ele, os pais querem viver eternamente quando almejam que seus filhos sejam a imagem-semelhança de si mesmos. Ao mesmo tempo que assumem que os filhos devem ser independentes, reclamam quando os filhos os abandonam. Eles elegem o caminho a ser trilhado pelos filhos com a máxima de que eles devem continuar o que os pais não conseguiram terminar. No final das contas, os pais só querem prolongar sua existência através de seus filhos. A verdade é que nossos filhos não são nossas possessões. Eles tem uma vida própria. Os pais podem tentar ser como eles mas não há garantia alguma de que eles serão como os pais. Suas almas são habitantes do amanhã.

O instrumental cadencia. Agora a banda demonstra como Gibran foi um exemplo de filho que seguiu um destino completamente distinto ao que projetavam seus pais. Numa cidade de arranha-céus viveu um jovem que refutou todos os padrões que mantinham as pessoas na caixinha para criar ele próprio o seu estilo e a sua maneira de pensar a vida. Sua palavra foi ouvida por gente que não presta a atenção ao que dizem as pessoas do Oriente. E sua sabedoria foi repetida por aqueles que ocupavam os tronos da sabedoria. Até que finalmente ele conquistou seu lugar entre os demais. Esse jovem foi Khalil Gibran.

Tocata Scarahuala

Armando Tirelli

Essa faixa é um pequeno interlúdio instrumental tocado no piano clássico que culmina no "Tema Central El Profeta".

Tema Central El Profeta

Armando Tirelli
Eres el Profeta,
tú tienes la paz
Dinos el camino
hacia la verdad
És o Profeta,
tu tens a paz
Diga-nos o caminho
até a verdade

O som inspirado numa mistura de candombe, samba e rock traz a repetição dos versos marcantes da temática do álbum e o álbum se encerra.

Considerações Finais

Esse álbum conceitual abordou aspectos da vida de Khalil Gibran em relação aos ensinamentos do profeta Almustafa, personagem do próprio Khalil Gibran no livro "O Profeta". É interessante notar como essa relação finamente trabalhada no álbum foi perfeitamente possível de ser realizada. A chegada de Gibran em Beirute carregado de cultura estrangeira e a chegada do profeta em Orphalese na mesma condição. A relação amorosa de Gibran com Mary e os ensinamentos do profeta sobre o amor. A relação conturbada de Gibran com seu pai e os ensinamentos do profeta sobre a indenpendência dos filhos em relação aos pais. E, finalmente, o legado de ideias e ensinamentos deixados por Gibran e pelo profeta Almustafa às pessoas.

É verdade que muitos temas do livro não foram abordados nesse álbum e os que foram tiveram suas reflexões demasiadamente simplificadas, o que não quer dizer que as letras careciam de profundidade semântica. Da mesma forma, a trajetória de vida do Gibran foi contada por meio de alguns elementos imaginativos que descontextualizados não parecem fazer sentido. Ao meu ver, isso foi proposital. Creio que Armando Tirelli partiu da premissa de que o ouvinte já tenha lido o livro e de que ele tenha ao menos um conhecimento prévio de quem foi Khalil Gibran antes de escutar o álbum. Essa premissa o poupou de fazer um álbum meramente descritivo para fazer, em vez disso, uma obra que demonstrou como os questionamentos do livro servem para pensar não só a vida do próprio escritor, mas também a de qualquer um de nós.

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