Eloy - Ocean (1977)

Capa criada por Wojtek Siudmak. Veja a capa original aqui.

Álbum Conceitual

Frank Bornemann (vocal, guitarra) disse a Ira Kantor da Vintage Rock:

A ideia de criar um outro álbum conceitual veio do nosso baterista Jürgen Rosenthal, que já tinha ideias específicas sobre isso. Todo o conceito lírico veio dele, a música foi criada coletivamente. Jürgen escolheu a história e o mito de Atlântida, o que a primeira vista pareceu bem esotérico aos outros três músicos, e em alguns pontos também incomumente obscuro. As letras apenas vieram quando a música estava quase toda gravada, o que se tornou um certo desafio para mim pessoalmente, porque nós já havíamos excedido o tempo de produção a essa altura. Mesmo assim, o álbum tinha uma certa magia nele, o que foi depois aprimorada pela magnificente capa do álbum pintada por Wojtek Siudmak. Os épicos arranjos musicais e faixas com tempos grandes de duração estavam absolutamente "em voga" naquela época, e não surpreendeu a ninguém que o álbum inteiro consistisse de apenas quatro faixas.

Influências

Jürgen Rosenthal possivelmente se baseou em dois livros para escrever as letras deste álbum. O primeiro deles é "The Secret of Atlantis" (1976), do filósofo austríaco Otto Muck. Nesse livro, o autor reforça a descrição de Atlântida dada por Platão em "Timeu" (24e-25d) e em "Crítias" (108e-109c, 113c-121c), buscando comprovar que essa história é real. Muck traz argumentos históricos, geológicos, paleontológicos e astronômicos para explicar a existência e o desaparecimento de Atlântida. O autor inclusive foi capaz de determinar o ano, o dia e o horário da catástrofe atlante. O título da quarta faixa foi literalmente retirado desse livro.

O segundo livro é "The Practice of Magical Evocation" (1967), do ocultista tcheco Franz Bardon. Esse livro é o segundo de uma trilogia de iniciação à magia hermética, que contém ensinamentos para o mago conhecer e dominar as forças cósmicas e com isso se aproximar da natureza divina da criação. O que Rosenthal buscou nesse livro foi a referência dos primeiros gênios (inteligências da zona circundante à Terra) na quarta faixa, os quais teleguiaram o projétil que destruiria Atlântida. Além disso, o letrista ainda fez referência à deusa egípcia Hator, na condição de Olho de Ra, como a entidade que executa a vontade dos deuses. A escolha de uma divindade do panteão egípcio não é aleatória, uma vez que o hermetismo tem suas origens nos ensinamentos do sumo sacerdote egípcio Hermes Trismegistus.

Atlântida, de acordo com Platão

A história de Atlântida é contada em seus maiores detalhes no diálogo de Sócrates e Crítias, o Jovem. Crítias soube dessa história através de seu avô Crítias, o Velho, que teve o relato egípcio transmitido por Sólon. Crítias era irmão materno de Platão e um estadista de renome. A conversa inicial era sobre as exigências de um estado ideal tal como definidas por Sócrates, e Crítias trouxe o exemplo clássico e histórico de Atlântida. Você pode ler esse diálogo aqui (p. 220-246).

Segundo Crítias, há nove mil anos (em relação à época que Sólon soube da história), houve uma guerra entre os que habitavam para além dos Pilares de Hécrates (atual Estreito de Gibraltar) e os que habitavam antes desses pilares, liderados pelos atenienses. E o que havia para além dos Pilares de Hécrates era a Ilha de Atlântida, uma ilha com o tamanho da Líbia (todo o norte da África à época) e da Ásia (da península arábica ao norte da Índia à época) juntas. Só que por estar, no momento do diálogo, submersa em razão dos tremores de terra, a ilha se tornou um obstáculo de lama instransponível aos que navegassem por ali em alto-mar. Veja uma representação de Elizabeth Birkmaier¹ da localização e do tamanho da ilha num mapa.

Antes de contar como a Ilha de Atlântida afundou, Crítias começou por contar sobre sua origem. Num dado momento, os deuses dividiram o mundo em regiões de influência entre si e as povoaram. Poseidon teria ficado com a Ilha de Atlântida. A ilha tinha uma planície central, tida como a mais bela dentre todas as planícies, além de ser consideravelmente fértil. Nessa planície, havia uma pequena montanha onde morava, dentre outros nativos, Evenor e sua mulher Leucipe. Eles tinham uma única filha chamada Clito.

Quando Clito atingiu a idade para ter um marido, seus pais morreram, e Poseidon a desejou como esposa. O deus desfez o monte em que ela habitava num círculo, e construiu em volta anéis de terra alternados com outros anéis de mar para que o local fosse inacessível aos homens. Poseidon então dividiu a ilha em dez partes e criou cinco gerações de varões gêmeos para governar cada parte. O primeiro varão a nascer recebeu o nome de Atlas e ficou com a residência materna, juntamente com a porção que a circundava, que era a maior e a melhor de todas, e foi nomeado como o rei soberano.

Atlas e seus outros nove irmãos reis deixaram descendentes que viveram numa ilha próspera e com abundância de recursos. Crítias conta em detalhes como a ilha se modernizou com o acesso a minérios, como ouro, prata e oricalco (cobre das montanhas), e a construção de portos e pontes, que possibilitaram o acesso à zona real, agora um belo templo dedicado a Clito e Poseidon. Veja uma projeção da estrutura da zona real de Atlântida. O progresso da ilha dependia sobretudo das leis divinas inscritas numa estela de oricalco no templo de Poseidon serem seguidas. E a lei principal era que nenhum rei poderia matar ou atacar o outro, ou algum familiar do outro.

No entanto, com o passar do tempo, o sangue divino dos reis se contaminou com o sangue mortal dos humanos. Os reis atlantes começaram uma investida armada contra o povo mediterrâneo, visando expandir o poder individual por vaidade e ganância. Aos olhos de quem era capaz de lê-los a fundo, os reis demonstravam uma degeneração moral e uma índole má, embora aos olhos daqueles incapazes de conceber a verdadeira felicidade via nos reis a perfeição na medida em que eles buscavam proveitos e poderes. Zeus, deus dos deuses, contudo, percebeu o estado lastimável no qual o povo atlante se encontrava e decidiu castigá-lo. Ele convocou todas as deidades em sua morada sublime no centro do cosmo, e então falou algo que não está descrito no texto. Sim, o texto de Platão que nós temos acesso está com essa parte faltando.

¹ BIRKMAIER, Elizabeth. Poseidon's Paradise: the Romance of Atlantis. São Francisco: The Clemens Publishing Co., 1892. contracapa.

Sobre a Capa

A capa é a representação de Atlas, o rei de Atlântida. A fragmentação do corpo de Atlas em poeira cósmica representa a sua gradual perda de essência divina à medida em que deixou-se contaminar pela imoralidade inerente aos humanos durante seu reinado em Atlântida. Ele carrega um cetro com um crânio humano na ponta. O cetro é um símbolo de poder e da vontade daquele que o carrega. O esqueleto de crânio no topo do cetro simboliza a morte. Isso quer dizer que Atlas reinou para a morte dos atlantes. As esferas flutuando ao redor de Atlas são orbes espirituais, possivelmente representando a alma dos atlantes.

Na parte inferior da imagem, note que Atlas está acima de um rochedo em meio ao oceano com o seu corpo se elevando aos céus. Tal como o titã Atlas que recebeu de Zeus a punição de sustentar o mundo, o Atlas de Atlântida está representado, segundo Otto Muck, na maior montanha da Ilha de Atlântida, uma montanha tão grande que chegava ao céu (e o sustentava). Mesmo com o dilúvio que submergiu Atlântida, essa montanha ainda existe. O autor defende que ela está na Ilha do Pico, uma das ilhas que compõe o arquipélago português de Açores. Para Muck, Açores é o que restou da antiga Atlântida nos dias de hoje. Portanto, esse rochedo na capa sobre o qual Atlas se encontra (e está fundido - note a vestimenta se fundindo à rocha) possivelmente é uma representação do que restou de Atlântida. Note que há uma nau na costa leste do rochedo. Isso possivelmente representa a posterior colonização da ilha pelos portugueses.

Por fim, vamos analisar o oceano, que inclusive dá nome ao álbum. É preciso ter em mente como era a concepção geográfica do mundo quando a história de Atlântida foi concebida pela primeira vez. Heródoto (484-424 a.C.) viveu depois de Sólon (de quem Crítias soube sobre Atlântida) e antes de Platão. Ele concebia o mundo conforme mostra essa imagem. A Terra era um disco que continha partes da Europa, África e Ásia, centrado no Mar Mediterrâneo, e circundado pelo oceano. Então, para os atenienses dessa época, tudo o que estava para além dos Pilares de Héracles se configurava no verdadeiro oceano. O que havia a oeste no oceano era desconhecido aos gregos. Eles acreditavam que para lá não existia nada além do reino dos mortos, até a narrativa platônica sobre Atlântida contestar essa ideia.

Poseidon's Creation

Jürgen Rosenthal
When the mighty sons of the spheres beyond
distributed the elements of earth,
they laid down the foundation-stone
of highest spiritual birth
which ever existed since thousands of years
but is lost now in the future and past
light years away from our daily tears
those unperceived moments which always last.

Poseidon became lord of earthquake and seas,
master of oceans and all their wealth,
god of an island, there lived a family
with a daughter of beauty and health.

Atlantis was the island's name,
greatest treasury of all times.
Human eyes didn't ever see the same
silver and gold, fertile hills, woodlands and plains.
It was situated in front of the strait
they call "The Columns of Herakles".

Kleito was the daughter's name,
a princely virgin of clearness and love.
So Poseidon fell in love with her
and built a shrine on the mountains above
surrounded by a golden wall
and inside he placed his holy law.

Son of god and daughter of earth,
they created ten sons, human creatures,
who've been of supreme beings at birth
of pure essence and perfect features.
What a divine possibility to overcome evil
so listen what man did!
Quando os filhos poderosos das esferas no além
distribuiram os elementos da terra,
eles decretaram a pedra fundadora
do nascimento espiritual mais elevado
que já existiu desde milhares de anos,
mas que está perdido agora no futuro e passado
anos-luz das nossas lágrimas diárias,
aqueles momentos impercebidos que sempre duram.

Poseidon se tornou o senhor do terremoto e mares,
mestre dos oceanos e de toda a riqueza deles,
deus de uma ilha, lá viveu uma família
com uma filha de beleza e saúde.

Atlântida foi o nome da ilha,
o maior tesouro de todos os tempos.
Os olhos humanos jamais viram a mesma
prata e ouro, colinas férteis, florestas e planícies.
Estava situada à frente do estreito
que eles chamam de "As Colunas de Héracles".

Clito era o nome da filha,
uma virgem princesa de clareza e amor.
Então Poseidon se apaixonou por ela
e construiu um santuário nas montanhas acima
cercado por muralhas douradas
e no interior ele alocou sua lei sagrada.

Filho de deus e filha da terra,
eles criaram dez filhos, criaturas humanas,
que foram seres supremos ao nascerem
de essência pura e traços perfeitos.
Que possibilidade divina para superar o mal
então escute o que o homem fez!

Essa primeira faixa, como o título sugere, fala sobre a criação de Atlântida. A letra começa enunciando os filhos poderosos das esferas no além. Isso é uma referência aos filhos de Cronos, a saber: Hera, Deméter, Héstia, Hades, Poseidon e Zeus. Em razão de uma profecia que dizia que Cronos seria destronado por um dos seus filhos, Cronos começou a engolir seus filhos assim que nasciam. Reia, sua esposa, com a ajuda de sua mãe Gaia, evitou que o último filho, Zeus, tivesse o mesmo destino, dando à luz numa gruta sem o conhecimento de Cronos. Ela enrolou uma pedra num pano e deu a Cronos para engolir. Cronos engoliu pensando que era Zeus. Assim, Zeus pôde crescer e nutrir a esperança de um dia destronar o seu pai, tal como previsto pela profecia.

Já adulto, Cronos foi ajudado por Métis, filha do titã Oceano, com uma poção que faria Zeus vomitar todos os filhos engolidos. Os filhos, juntos e com a ajuda de ciclopes e centímanos, derrotaram Cronos e os titãs. Com a vitória, Zeus se proclamou deus dos deuses e assumiu seu posto como senhor dos céus e de toda a humanidade. Poseidon se tornou o deus dos mares e terremotos. A Ilha de Atlântida, localizada no grande oceano que circundava a Terra, seria o marco inicial para Poseidon fazer surgir uma civilização iluminada.

Na sequência, a letra apenas conta a história narrada por Platão. A paixão de Poseidon por Clito. Atlântida como uma ilha abundante em recursos naturais. As Colunas de Héracles como referência para situar a ilha. E o santuário construido na montanha onde Clito morava (e onde Poseidon alocou uma estela que continha sua lei sagrada). Na última estrofe, a letra fala em filho de deus e filha da terra, fazendo alusão a Poseidon e Clito respectivamente. Isso é importante porque os filhos gerados desse casal serão seres apenas parcialmente divinos, e portanto portadores da imperfeição humana. A letra então diz que o casal deu origem aos dez filhos, inicialmente imbuidos de pureza e traços perfeitos, e deixou no ar o que eles fariam a partir dali. Ótimos solos no teclado e na guitarra se seguem até o final da faixa.

Incarnation of the Logos

Jürgen Rosenthal
No Native soil, no ocean, 
no salty wave, no sky above
No living being

No movement, no colours, 
no elements, no eye to see anything
Complete emptiness
(Before all was nothing?)

The moon, companion of the sun,
touching celestial globe
Motionless starry sky

The planets don't know where to move
They are unaware of puissance and of hope
(Intrinsic virtues awake!)

All of a sudden appears a light
Horizons open wide
Voices fill the air
(And The Gods Made Love!)

The layers tremble and raise in staggering
And words transform into flesh and blood

The act of uppermost magic has begun
Impulses working on and on
Movement here and there
(Vibrations move the atmosphere!)

Transcendental forces penetrate
The planet we call Earth
And all spheres of the universe
(All the elements burst!)

A warm powerful breeze
Inspires inanimate matter
And a creature, shaky reeling on two legs
Extends its hands shivering against the sky
(Primary procreation is accomplished!)

Man arises out of dusty clouds
Eyes are staring all around
Ears are noticing unknown sounds
Legs are pounding on the ground

Now Man knows he's not alone
So his hands take up the stone
Anxiety to hold his own
Fighting for the creatures throne

Man forms tribes to enlarge his chance
to survive the primeval living-dance
The strongest ones fight for leadership
And by these fights they attain the grip

On the weaker ones who become suppressed
By their violence so are we possessed
By the same ideas in a world
That's full of fears and tears and "progresses".
Sem solo nativo, sem oceano,
sem onda salgada, sem céu acima,
sem seres vivos.

Sem movimento, sem cores,
sem elementos, sem olho para ver algo.
Vazio completo.
(Antes de tudo havia nada?)

A lua, companheira do sol,
tocando o globo celestial.
Céu estrelado imóvel.

Os planetas não sabem para onde se mover.
Eles não têm ciência do poder e da esperança.
(Virtudes intrínsicas despertem!)

De repente aparece uma luz,
horizontes se abrem,
vozes preenchem o ar.
(E os Deuses fizeram amor!)

As camadas tremem e se elevam de forma desconcertante
e as palavras se transformam em carne e sangue.

O ato de magia superior começou.
Impulsos trabalhando continuamente.
Movimento aqui e ali.
(Vibrações movem a atmosfera!)

Forças transcendentais penetram
no planeta que nós chamamos Terra
e em todas as esferas do universo.
(Todos os elementos irrompem!)

Uma brisa quente poderosa
inspira matéria inanimada
e uma criatura, cambaleando em duas pernas
estende suas mãos tremendo diante dos céus.
(Procriação primária alcançada!)

O homem cresce das nuvens de poeira.
Os olhos encaram tudo ao redor.
Os ouvidos estão notando sons desconhecidos.
As pernas estão batendo no chão.

Agora o Homem sabe que não está sozinho.
Então suas mãos levantam a pedra,
ansiedade em se manter,
lutando pelo trono das criaturas.

O Homem forma tribos para aumentar sua chance
de sobreviver à primeva dança dos vivos.
Os mais fortes lutam pela liderança
e com essas lutas eles alcançaram o poder.

Nos mais fracos que se tornaram suprimidos
pela violência deles da mesma forma fomos possuídos
pelas mesmas ideias num mundo
que é cheio de medos e lágrimas e "progressos".

Para entendermos a encarnação do logos, eu vou precisar recorrer brevemente à doutrina hermética da criação do mundo. Vou me basear na excelente dissertação do egiptólogo brasileiro Ronaldo Guilherme Gurgel Pereira. No início havia Deus, Sua mente divina (nous) e a matéria (caos primordial). Deus criou as almas, a dimensão mais sutil da existência imbuidas de nous divino, e enviou essas almas para interagirem com a Natureza. Para colocar ordem no caos e ajudá-lo a criar o suporte material para a vida se desenvolver, Deus criou Seu primeiro filho: o Cosmos. O Cosmos possuia o nous e o logos (palavra divina) necessários à criação. Assim, o Cosmos separou os elementos do caos primordial de acordo com a sua natureza (água, ar, fogo e terra), e criou as sete esferas (também chamadas de céus, planetas, forças) para assegurar a ordem cósmica e governar o destino de todos os seres englobados por suas órbitas. Essas esferas são: Mercúrio, Vênus, Marte, Jupiter, Saturno, o Sol e a Lua.

Para observar e interagir com as obras de Deus, e descobrir todas as artes divinas no mundo, Deus criou o Seu segundo filho: o Homem. Deus criou o Homem a partir da Sua vontade e permitiu ao Homem assumir uma condição de igualdade ao primeiro filho, o Cosmos. Por ser adorado pelo Pai e pelo Irmão, o Homem recebeu a permissão de assumir ativamente parte no processo de criação. O Homem é o único ser vivo com o dom da fala e do logos. Esse logos é remanescente do Logos criativo e divino e portanto se presta a ajudar o Homem em assegurar o seu domínio no mundo material e ajudá-lo a se conectar com Deus. O logos encarnado no Homem, portanto, é um mediador entre Deus e o Homem. Ele está alocado numa zona intermediária entre as esferas materiais e espirituais, conforme você pode ver nessa imagem que mostra as emanações de Deus ao Homem.

Deus criou a alma do Homem e o Cosmos preparou o seu corpo. A presença do Homem no mundo material é uma consequência dos desejos do Homem em ajudar na criação. Assim, a humanidade floresceu na terra com a permissão e benção de Deus. Dado que o Homem estava destinado a governar todas as outras criaturas vivas, Deus lhe deu a dádiva do discernimento intelectual-moral/inteligência/logos. A dádiva do Logos tinha como objetivo auxiliar o Homem em sua dupla tarefa: dominar o mundo material e aprender a se conectar com Deus. Dessa forma, a dádiva divina do Logos pode ser usada para exercer o poder da humanidade na criação e para buscar o desenvolvimento da espiritualidade do Homem.

Apenas um detalhe importante, sobre a gnose hermética. A gnose hermética consiste no processo em que você reconhece a sua dimensão espiritual. Trata-se de seguir o caminho dado pelas virtudes morais necessárias que você deve seguir para se tornar digno de uma conexão com a mente de Deus. Assim, toda a conquista intelectual é inútil em ajudar um discípulo hermético se não vier acompanhada por profundos valores morais. É a transformação moral que torna um indivíduo merecedor de ascender ao próprio nous. O que acontece quando o Homem não é capaz de alcançar a gnose? O Homem é engajado num ciclo interminável de vida e morte, permanecendo eternamente conectado ao mundo material/Cosmos. Veja isso representado nessa imagem. A única maneira de se livrar desse ciclo é despertar o seu Nous para através dele conectar-se à esfera de Deus. Isso é especialmente importante para entendermos o destino das almas desmoralizadas dos atlantes.

Os primeiros versos cantados por Bornemann descrevem um mundo inerte e caótico, à espera de um sopro divino. Esse sopro veio através das palavras de Deus (logos), interpretadas pela voz mais grossa e com eco na música (excelente, por sinal). E assim a letra apenas descreve o processo de criação do mundo até o momento em que Deus finaliza a criação. Isso dá início a um solo de teclado, interpretando os primeiros anos do Homem na Terra. No retorno, a letra ressalta a luta dos homens pela sobrevivência na Terra em competição com outras criaturas e entre si mesmos. Eles eventualmente perceberam que eram mais fortes quando estavam em grupo. E assim, entre medos e lágrimas, a humanidade "progrediu". É interessante a banda colocar o progresso entre aspas, possivelmente chamando a atenção para o fato de a exploração do mundo não ser a única função do Homem enquanto filho de Deus.

Decay of the Logos

Jürgen Rosenthal
Overbearing secular creature
my worshipped king
king of wisdom and pain.

You are the one, the mighty one
ruling so wise,
you're the universal sin

Guardian of justice,
offering help
favourite victim of your self-made gods

Four-continent-king
empty shroud
who runs to the indigents aid.

Oh my perfect hero
Ah my mighty friend

You're the prince of principle
Wiping out disobedience with your might
Autocratic might

You don't stand for backtalk
So you root it all out
by your weapon's light, the atomar light.

You are born into your violence
and you live against superior truth

You are born to live the ignorance
and you're proud to kill
your spiritual youth

From the upper sea of the setting sun
You submit all mankind to toe the line
You commit your frightful arms
Against the palaces and treasures of our mind

That's why you should remember
The duty that's required by your life

Or is it true that you did surrender
Your only possibility to survive

In taper indented triangles
Sterilized drops of blood
Are wildly raving along and their shadows
They are crossing my horizon

Concrete becomes liquid, sweats along
And pours along through my legs - Alright!
Extensive feverish stuff

Rough surface - murderous red!
Even in the air which is still guiding quiet,
quiet and understandable

I feel the slippery, whispering
Rainy dead end street

Hanging deep above the vaporing sea
The final signal for low truth approaches
Fear did die

Vanity - insanity, warm, hot and true
Who cut the enemy down? We are betrayed

That's why you should remember
The duty that's required by your life
By our life

Or is it true that you did surrender
Our possibility to survive
You play with all our life
Criatura arrogante secular
meu rei devotado
rei da sabedoria e dor.

Você é único, o poderoso,
governando sabiamente,
você é o pecado universal.

Guardião da justiça,
oferecendo ajuda,
vítima favorita dos seus deuses autocriados.

Rei de quatro continentes,
mortalha vazia,
que corre para a ajuda dos indigentes.

Ó meu herói perfeito.
Ah, meu amigo poderoso.

Você é o príncipe dos princípios,
aniquilando a desobediência com seu poder,
poder autocrático.

Você não tolera desaforos,
de modo que você desenraiza tudo isso
pela sua luz armada, a luz de átomos.

Você nasceu com sua violência,
e você vive contra a verdade superior.

Você nasceu para viver a ignorância
e você está orgulhoso em matar
sua juventude espiritual.

Do mar superior do pôr-do-sol
você submete toda a humanidade a andar na linha.
Você empenha seu exército assustador
contra os palácios e tesouros de nossa mente.

É por isso que você deveria se lembrar
da tarefa requerida pela sua vida.

Ou é verdade que você rendeu
sua única possibilidade de sobreviver?

Em triângulos dentados afunilados
gotas esterelizadas de sangue
estão selvagemente tresvariando com suas sombras.
Elas estão atravessando meu horizonte.

O concreto se torna líquido, soa junto
e derrama por minhas pernas - Tudo bem!
Extenso material efervescente.

Superfície áspera - vermelho mortífero!
Mesmo no ar que ainda está soprando silencioso,
silencioso e incompreensível.

Eu sinto a rua sem saída
escorregadia, sussurrante e chuvosa.

Mantendo-se denso acima do mar em vapor
o sinal final para a baixa verdade se aproxima.
O medo morreu.

Vaidade - insanidade, aquecida, quente e verdadeira
Quem matou o inimigo? Nós fomos traídos.

É por isso que você deveria se lembrar
da tarefa requerida pela sua vida,
pela nossa vida.

Ou é verdade que você rendeu
a nossa possibilidade de sobreviver
Você joga com todas as nossas vidas.

Só pelo título da faixa, já podemos entender a decadência do logos como o fato de o Homem ter se afastado da palavra ou da razão de Deus. Podemos esperar que o Homem se desvirtuou moralmente e se tornou incapaz de acessar o seu nous. A letra retoma os acontecimentos da história de Atlântida. O rei Atlas tornou-se poderoso, mas junto com o poder veio a arrogância. Ele almejou os quatro continentes (Europa, Ásia, África e América) para si, e tornou-se um autocrata despreocupado em obedecer as leis divinas. Ele sentiu orgulho em matar e cada vez mais apequenou sua espiritualidade. E dessa maneira, ele colocou em risco a vida dele e de todos aqueles que ele governava sob o julgamento dos deuses.

Atlantis' Agony at June 5th - 8498, 13 P.M. Gregorian Earthtime

Jürgen Rosenthal
And so the gods decided
"Great is the fear for you
when your eye takes the field against those
who tried to raise against you.

Make your eye go down
and strike the mutineers with disaster.
The eye shouldn't rest in your forehead
Now it has to go down as 'Hat-Hor'.

And the eye of 'RE' mounts down
from his divine brow
down there on Earth
and strikes them with disaster".

Spirits darken the sky!

The divine guided missile is on its way.

And it's especially directed by
'Emnasut' - first genius of the Sun-sphere
'Gomah' - first genius of the Venus-sphere
'Ebvap' - first genius of the Moon-sphere
'Aschmunadai' - first genius of the Earth-sphere

We do not know, but they do, and they remember
A liquid fire appears in the sky
The flash of life is radiating
The flash of death - we're surrendered

Its light shines! Shine on!
Its light shines! Shine on!

Mind power made the rocks sink
And by this power the mass of stones
will surface again
Legends kept the secret of your wisdom
And soon it all will be revealed

Soon it all will be revealed
Nineteen eighty three, eighty four, eighty five
Eighty six, eighty seven, eighty eight

We are a particle in the ocean
Lost and safe like a tear

We are born and lost in the ocean
Where is mercy with our fear?!

We are a particle in the ocean
(We are a particle in the ocean)
Lost and safe like a tear
(Lost and safe like a tear)

(We are born and lost in the ocean)
We are born and lost in the ocean
(Where is mercy with our fear?!)
Where is mercy with our fear?!
E então os deuses decidiram
"Grande é o medo de vocês
quando seus olhos virem o campo contra aqueles
que tentaram emergir contra vocês.

Faça seus olhos se fecharem
e ataque os amotinados com desastre.
O olho não deve descansar em sua testa.
Agora ele tem de ir como "Hat-Hor".

E o olho de "RE" se desloca para baixo
de sua sombrancelha divina
em direção à Terra
e os ataca com desastre.

Espíritos, obscureçam os céus!

O míssil divinamente guiado está a caminho.

E ele é especialmente dirigido por
'Emnasut' - primeiro gênio da esfera do Sol
'Gomah' - primeiro gênio da esfera de Vênus
'Ebvap' - primeiro gênio da esfera da Lua
'Aschmunadai' - primeiro gênio da esfera da Terra

Nós não sabemos, mas eles sabem e se lembram
de um fogo líquido aparecer no céu.
O lampejo da vida está irradiando
o lampejo da morte - nós estamos rendidos

Sua luz brilha! Brilhe!
Sua luz brilha! Brilhe!

O poder da mente fez as rochas afundarem
e com esse poder a massa de pedras
vai emergir novamente
Lendas mantiveram o segredo de sua sabedoria
e em breve tudo será revelado.

Em breve tudo será revelado.
1983, 84, 85
86, 87, 88

Nós somos uma partícula no oceano
perdidos e seguros como uma lágrima

Nós fomos nascidos e estamos perdidos no oceano
Onde está a misericórdia com nosso medo?!

Nós somos uma partícula no oceano
(Nós somos uma partícula no oceano)
Perdidos e seguros como uma lágrima
(Perdidos e seguros como uma lágrima)

(Nós fomos nascidos e estamos perdidos no oceano)
Nós fomos nascidos e estamos perdidos no oceano
(Onde está a misericórdia com nosso medo?!)
Onde está a misericórdia com nosso medo?!

E então os deuses decidiram que os atlantes deveriam ser punidos com o Olho de Ra emanado pela deusa Hathor e mirado na direção da Terra para causar um desastre. Essa passagem faz alusão à menção de Sólon sobre a tradição de Atlântida contada no Egito. O relato do dilúvio está contido nos textos funerários de Séti I e Ramsés II, cujos trechos importantes reproduzirei aqui com grifos próprios:

Está na época de Ra ficar velho... o deus que se autocriou... o rei dos homens e dos deuses. E os homens falavam contra ele, quando sua majestade estava em idade avançada... e a sua majestade ouviu a fala dos homens. Então ele dirigiu-se àqueles que pertenceram a seu séquito e lhes disse: "Chamai o meu olho, e Shu, Tafnet, Geb e Nut!" As divindades foram chamadas... e falaram à sua majestade: "Fala conosco, para que possamos ouvir-te!" Ra falou para Nunu: "Tu, deus mais velho, do qual me criei, e vós, ancestrais dos deuses! Olhai os homens... tramaram contra mim. Falai, o que vós ireis fazer contra eles? Vede, eu queria evitar matá-los, antes de ouvir a vossa opinião." E a majestade de Nunu disse: "Meufüho, Ra, tu, deus, que és maior que teu progenitor e mais poderoso que teu criador! Senta no teu trono! Grande é o medo que sentem de ti, quando o teu olho se fixar naqueles que se revoltaram contra ti." A majestade de Ra falou: 'Vide, eles se refugiam no deserto, porque no seu coração sentem medo por aquilo que falaram.' E os deuses falaram à sua majestade: "Deixa que o teu olho vá e leve castigo severo aos rebeldes. O olho não deve continuar em tua testa, mas descer de lá, como Hat-Hor".

Na mitologia egípcia, o Olho de Ra (ou Re) é visto como uma força violenta que funciona como a contraparte feminina de Ra (deus egípcio do sol, da ordem, dos reis e do céu) e é usado para subjugar os seus inimigos. O aspecto violento do Olho de Ra defende Ra dos agentes da desordem que ameaçam a sua lei. Após a sentença divina, uma voz ordena que os céus sejam obscurecidos. Isso tem a ver com um eclipse que eu comentarei mais adiante. Barulhos cósmicos são ouvidos. A letra anuncia que o projétil em direção à Terra está sendo guiado por quatro inteligências orbitantes do Cosmos, as quais descreverei brevemente a seguir com a ajuda do livro de Franz Bardon (os nomes são links para os respectivos selos dessas inteligências).

Emnasut. O primeiro gênio da esfera do Sol guarda e controla o elemento original do fogo em toda a hierarquia cósmica, em todos os planetas e em todas as esferas.

Gomah. Essa inteligência da esfera de Vênus está associada ao trabalho da Divina Providência e ao princípio do Akasha (espírito) na esfera de Vênus. Está também associada à história da evolução de Vênus em sua esfera.

Ebvap. O primeiro gênio da esfera da Lua controla a regularidade das ondas. Ele está associado a fluidos magnéticos e elétricos e ao seu uso na magia lunar. Ele também é conhecido por desvendar mistérios que se encontram ainda hoje ocultos.

Aschmunadai. O primeiro gênio da Terra é um monarca absoluto. Ele está associado ao fornecimento do controle total da zona circundante da terra, além de fornecer vasto acesso ao conhecimento.

Mas por que essas inteligências foram escolhidas para guiar o projétil que causará o desastre na Terra? A resposta está no livro de Otto Muck. O autor defende que Atlântida foi destruida exatamente no dia 5 de junho de 8.498 a.C. no calendário gregoriano, às 13h no horário terrestre. Esse foi o momento em que houve um alinhamento entre o Sol, Vênus, a Lua e a Terra, conforme mostrado por essa imagem. Esse alinhamento, além de ter proporcionado um eclipse terrestre (lembre-se do "Obscureçam os céus"), provocou a distorção da trajetória de um planetóide, fazendo com que ele se dirigisse à Terra. O planetóide caiu no oceano Atlântico, provocando uma grande catástrofe. A agonia atlante se suscedeu com terremotos e o dilúvio que afundou a ilha e varreu do mapa seus habitantes.

Os últimos versos são dedicados a contar o fim dos atlantes. Eles nasceram e se perderam no oceano, e lamentam pelos deuses não terem sido misericordiosos com o medo deles. Esses atlantes não ascenderam à esfera divina, e provavelmente suas almas ficaram presas no Cosmos, condenadas a renascer novamente. Dai porque acredito que as esferas na capa do álbum representam as almas dos atlantes. A letra menciona ainda que as lendas sobre Atlântida seriam reveladas em algum momento entre os anos de 1983 e 1988. Levando em conta o ano de publicação do livro de Otto Muck (1976), essa previsão soa bastante otimista. A verdade, no entanto, é que mesmo após décadas os segredos de Atlântida ainda seguem sendo um mistério para boa parte das pessoas.

Considerações Finais

O conceito desse álbum gira em torno da história de Atlântida. No entanto, o álbum é mais que uma mera descrição dos eventos marcantes sobre Atlântida. O álbum é também uma viagem astral sobre a filosofia hermética e o panteão egípcio. Na primeira faixa, a história de Atlântida é apresentada tal como narrada por Platão. Na segunda faixa, a banda retrocede ao mito de criação do mundo segundo a teoria hermética para nos mostrar como é a relação do Homem com Deus para aqueles que originalmente produziram o relato sobre Atlântida. Na terceira faixa, nós somos convencidos do motivo de os homens desagradarem os deuses, especialmente os atlantes. E na quarta faixa, o relato inacabado de Platão é continuado com as teorias do filósofo Otto Muck sobre o fim de Atlântida, incrementadas com referências de entidades citadas no livro de Franz Bardon e de divindades egípcias.

Musicalmente, a banda ambientou as letras com uma sonoridade característica do Space Rock. A primeira faixa se tornou a mais famosa da banda, em razão do dedilhado marcante da guitarra de Bornemann, o crescendo da bateria e baixo e os excelentes solos de teclado e guitarra. As faixas intermediárias seguem o mesmo nível da primeira, criando a ambientação necessária às letras. Mas nenhuma faixa supera a última na viagem extraplanar. Os barulhos cósmicos. A fala dos deuses. Essa faixa traduz verdadeiramente o que se pretende com o termo Space Rock. Não é nenhuma surpresa que este álbum seja a maior referência do rock progressivo alemão. E já o era à época de lançamento em termos de venda!

Vale mencionar que Eloy lançou em 1998 o álbum "Ocean 2: The Answer", supostamente uma continuação das ideias contidas nesse álbum. Estou adicionando-o à minha lista para qualquer dia resenhá-lo.

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